Malka Y Negri Advogados

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Autor: Malka Y Negri Advogados

Data: 18.10.2012

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Usucapião no Direito de Família.

Ao estudarmos a usucapião, concluímos que se trata de uma situação de aquisição do domínio, ou mesmo de outro direito real (como, por exemplo, o usufruto ou a servidão) pela posse perpetuada ao longo do tempo, permitindo a lei que uma determinada situação de fato prolongada por certo intervalo de tempo se transforme em uma situação jurídica: a aquisição originária da propriedade.

A usucapião garante a estabilidade da propriedade, fixando um prazo além do qual não se pode mais levantar dúvidas a respeito de ausência ou vícios do título de posse.

Vale lembrar que os atos de mera tolerância não induzem a essa posse. Portanto, não é possível alegar usucapião na vigência de um contrato em que a posse é transmitida, como é o caso da locação e do comodato, por exemplo.

Para cada espécie de usucapião há exigências específicas relativas à posse, forma de aquisição, tempo e até área. São essas as modalidades de usucapião previstas em lei: a) usucapião ordinária regular (art. 1242 do Código Civil), b) usucapião extraordinária (art. 1238 Código Civil), c) usucapião constitucional ou especial rural (art. 191, caput, da CF/88; art. 1.239 do Código Civil e Lei nº 6.969/81), d) usucapião constitucional ou especial urbana – pro misero (art.183, caput, da CF/88, art. 1.240 do CC e art. 9º da Lei nº 10.257/01).

Eis que a Lei nº 12.424/2011, além de alterar a Lei nº 11.977/2009 – que institui o Programa do Governo Federal denominado Minha Casa Minha Vida, de fortíssimo apelo social -, modificou ainda o Código Civil, trazendo ao ordenamento nacional nova modalidade de usucapião, nos seguintes termos:

“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.”

Já em uma primeira análise chama a atenção o revigoramento do – já desimportante – aspecto da culpa nas relações afetivas, haja vista o indisfarçável caráter punitivo da norma, não obstante os novos rumos da jurisprudência brasileira no campo do Direito de Família.

Mas o que de fato configuraria o chamado abandono do lar e qual seria o momento dessa caracterização? De um modo geral, a doutrina aponta como requisitos caracterizadores do abandono do lar o ato voluntário de saída do domicílio conjugal, aliado à ausência de consentimento do outro cônjuge e o decurso significativo de tempo, sendo certo que esse último aspecto deverá ser analisado em cada caso concreto. Como se vê, devem estar presentes os requisitos subjetivos de voluntariedade do ato e a intenção de não mais retornar para a residência familiar.

De modo a impedir a caracterização dessa modalidade de usucapião, é necessário que o cônjuge que esteja sob o risco de perder sua meação adote medidas efetivas para manter seu direito, tais como o ajuizamento de ação reivindicatória de direito sobre o referido bem, ou através de propositura de ação de divórcio, dissolução de união estável, arbitramento de aluguel, concessão de usufruto, fixação de comodato, ou mesmo fixação de alimentos, visto a possibilidade de o imóvel representar alimentos in natura.

Como se vê, há um claro desdobramento na lei no sentido de exigir que o cônjuge ameaçado atue ativamente na defesa de seu patrimônio, sempre ciente de que a propriedade de um bem imóvel implica na assunção permanente de despesas e ônus inerentes.

Apesar de não muito evidente, é possível traçar um paralelo entre essa nova modalidade de usucapião e o direito à moradia, constitucionalmente assegurado nos termos do art. 6º da CFRB/88. Embora a referida previsão constitucional constitua norma de eficácia programática para a promoção de ações de construção de moradias e melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico, é razoável trazer a discussão em torno do referido direito constitucional às relações familiares, sobretudo no que se refere a lares desfeitos, aplicando-se concomitantemente o princípio da dignidade da pessoa humana.

Nota-se aqui uma importante guarida constitucional para um instituto recém-criado, que certamente despertará críticas em razão do mesmo impor mais uma modalidade de relativização do direito da propriedade, ou ineficácia nos lares brasileiros em função da eventual inibição dos cônjuges em tomar a iniciativa da separação, de modo a evitar a perda da propriedade.

Por fim, embora a norma sob análise utilize as expressões “propriedade” e “domínio integral”, somos partidários da tese segunda qual não existem diferenças substanciosas entre tais termos, sendo certo que ambos significam um direito real em que o titular de uma coisa tem seu uso, gozo, e disposição, podendo reivindicá-la de quem injustamente a detenha. Ademais, o domínio também pode ser relativo, quando analisado sob a ótica da função social da propriedade.

Vitor Sepulveda Gomide

Outubro / 2012

Advogado


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