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Distrato de Compra de Imóveis continua crescendo
Jacques Malka Y Negri
26/6/2017

Tema recorrente nos últimos meses, este trabalho traz o enfoque do problema sob os dois ângulos postos sob confronto. E, ambos, com legítimos interesses.

De um lado, o consumidor. Premido pelo desemprego e elevadas taxas de juros, perdeu poder aquisitivo e sem ter para onde correr, se vale do Código do Consumidor, mais especificamente do artigo 53, assim disposto:

“Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado. ”

A partir desta norma legal, as incorporadoras e construtoras mudaram seus contratos e, para se protegerem, estabeleceram elevadas penas, mas nunca chegando a 100% para não incorrer em nulidade.

Os tribunais de justiça, então, rapidamente começaram a analisar este tipo de cláusula, e mesmo não estabelecendo a perda total, entenderam que havia excesso, abusividade.

Foi então que as decisões judiciais fixaram percentuais máximos de penalização. Hoje, quando um adquirente pleiteia judicialmente a resolução do contrato, é comum a justiça determinar a devolução entre 75% a 80% do quantum pago.

De fato, um patamar de devolução tão elevado, acaba dificultando a sobrevivência de quem constrói e, em efeito cascata, prejudica diretamente a entrega de unidades dentro do prazo contratado.

Por isso, no outro lado da questão, o incorporador/construtor tem se debatido tanto e não totalmente sem razão, senão veja-se. Segundo divulgado por um jornal, “o índice de cancelamentos, que não chegava a 20% até o início de 2014, começou a crescer de forma expressiva desde então e chegou a 43,4% no ano passado, concentrado principalmente nas compras de imóveis com valores entre R$ 300 mil e R$ 800 mil”.

O agravamento foi além, e, em fevereiro deste ano, o volume de distratos atingiu 41,6% no setor.

Existe uma enorme pressão do ramo de construção para que novas regras passem a vigorar, fixando um patamar de devolução menor, na casa dos 25%, de forma que assim, os negócios de um modo geral não sejam atingidos. Até o momento, o assunto segue sob discussão.

É importante acrescentar, que a reivindicação dos construtores é legitima, mas, não menos legítimo, é o direito dos consumidores de se insurgirem contra um sem número de cláusulas contratuais leoninas e abusivas.

Diversas discussões sobre o tema estão ocorrendo no país. No início de 2016, o setor imobiliário tentou regulamentar o distrato através da elaboração de um “pacto” com a intermediação do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, o qual sofreu fortes críticas por afrontar dispositivos da legislação consumerista. Diante das pressões sofridas, o mesmo não chegou a ser validado.

Mais recentemente, tal assunto retornou com força à mesa de debate, desta vez, através de discussão sobre a edição de medida provisória ou apresentação de projeto de lei pelo Poder Executivo, cujo teor seria bastante semelhante ao desenvolvido no mencionado “pacto”. Novamente, por fortes pressões, ainda não houve uma definição.

Independentemente da forma a ser adotada, necessário se faz a adoção de regras claras, com a fixação de percentuais justos, mormente considerando as disparidades entre as partes nesta relação negocial, sem que haja violação de preceitos constitucionais e legais.

Até porque, se não houver mitigação destas cláusulas contratuais, deixando os contratos mais simples e de fácil entendimento, é provável que o pleito da construção civil acabe não sendo atendido ou, sendo, o Poder Judiciário continue a ser chamado para intervir. Sim, porque o Código Civil vigente privilegia a relação de boa-fé, conferindo ao Juiz poder para intervir nas relações privadas para fazer valer os princípios de boa- fé.