Recente decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, assegurou a filho menor de idade e até que complete 18 anos, o direito real de habitação no imóvel partilhado meio a meio entre seus pais. No caso concreto, à mãe foi deferida a guarda e assim, o pai não poderá pedir a dissolução judicial do condomínio. O Juiz privilegiou o princípio do melhor interesse da criança em detrimento do direito do proprietário (no caso o pai) de não querer manter o imóvel tendo a ex-esposa como sócia.
Confira abaixo, o trecho da sentença aqui comentado, e que como nela está contido, aborda tema pouco debatido nos tribunais e carente de previsão legal. Sem dúvida uma decisão pioneira e como não poderia ser diferente, proveniente de um tribunal gaúcho, conhecido pela vanguarda de suas decisões.
COMARCA DE GUAPORÉ
Processo nº. 0000471-46.2010.8.21.0053
"Finalmente, é caso de determinação do direito de habitação da criança na residência até que complete 18 anos, questão pouco debatida nos tribunais e carente de previsão legal.
Caso não seja deferido o direito de habitação, o réu poderá, após o término da demanda, pleitear a dissolução de condomínio (alienação de coisa comum), com a venda de terreno e casa, ficando com o valor relativo a 50% da casa.
Se tal direito viesse a ser exercido pelo demandado, faria com que a autora e a menina tivessem de sair de casa, procurando outro lugar para morar.
Isso significa que uma sentença que se mostrou muito preocupada com o melhor interesse da criança estaria possibilitando a desestruturação grave de sua família, com a perda da casa.
No conflito entre os princípios do melhor interesse da criança (correspondente no caso à manutenção do local onde vive) e da legalidade (entendido no caso como a implementação do direito do réu a obter o valor da venda de seu imóvel), julgo que o primeiro deva ser privilegiado. Trata-se da aplicação do princípio da proporcionalidade, utilizado quando existem princípios em conflito, devendo um deles ceder espaço para que o outro incida. Veja-se que a medida atende aos postulados da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito, que compõem o princípio da proporcionalidade. Ela é necessária porque é a medida mais branda para a finalidade, é adequada porque é hábil para que se atinja o fim pretendido e é proporcional (proporcionalidade em sentido estrito) já que a determinação de sopesamento indica que o fim de manter a residência de criança deve se sobrepor ao meio escolhido.
Até onde tenho conhecimento, os tribunais têm se manifestado muito timidamente a respeito do tema da concessão do direito real de habitação aos filhos em divórcio ou dissolução de união estável, quando não dispõem de outro imóvel.
Cito precedente do TJ/RS que trata de situação um tanto distinta, mas que é ilustrativo da necessidade de proteção aos filhos, inclusive por direito real de habitação:
AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. BEM IMÓVEL PERTENCENTE AOS FILHOS E GRAVADO COM USUFRUTO VITALÍCIO REVERSÍVEL EM FAVOR DOS GENITORES. CONCESSÃO DE DIREITO REAL DE HABITAÇÃO EM FAVOR DA EX-COMPANHEIRA E DOS FILHOS DO CASAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 21, DA LEI Nº 6.515/77. 1. Considerando a clara situação de beligerância vivida pelas partes, mostra-se adequada a concessão de direito real de habitação à ex-companheira e aos filhos do casal, mormente quando os filhos são os legítimos proprietários do bem, tendo os litigantes apenas direito de usufruto vitalício reversível sobre o imóvel. 2. Sendo a habitação um dos itens que integra o conceito de alimentos, correta a decisão que instituiu o direito de habitação, para assegurar aos menores o direito à moradia. Inteligência do art. 21, da Lei nº 6.515/77. Recurso desprovido. (Apelação Cível Nº 70036451995, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 27/06/2011).
Considero que, em razão do direito real de habitação, não poderá o réu sequer pleitear o pagamento de aluguel pela autora em relação aos 50% da casa de que ele tem direito.
No que diz respeito ao pedido liminar de afastamento de lar, deve ser mantido. Não veio aos autos durante a instrução qualquer indicativo de que o réu possa pôr em risco a criança, mas realmente fazia mais sentido que a casa permanecesse com a autora, seja por ser proprietária do terreno, seja por deter a guarda da filha que tem direito real de habitação sobre o bem, ficando o réu afastado."