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Desconsideração da personalidade jurídica inversa
Jacques Malka Y Negri

A expressão acima, aos olhos do leigo, pode ser de difícil compreensão. E realmente é.

Para explicar a hipótese tradicional da desconsideração da personalidade jurídica ("Disregard Doctrine"), é necessário entender que isso ocorre quando há confusão patrimonial entre os bens da empresa devedora e os bens dos sócios ou quando há um desvio de finalidade da empresa por esses sócios, com o abuso da personalidade jurídica. Nesse cenário, os sócios podem ser chamados a responder com seus bens particulares no processo, desde que atendidos esses requisitos legais.

Inicialmente, a devedora é a empresa, porém, os bens que respondem pela dívida pertencem aos sócios. Isso porque se utilizam da empresa como um escudo protetor, quando esta é usada com o propósito de lesar o credor, para a prática de atos ilícitos ou, repetidamente, acaba por cumprir obrigações do sócio. Em outras palavras, quando há a prática de atos pelos sócios, em benefício próprio, que deixam a pessoa jurídica sem recursos.

A lei exige um procedimento específico, o devido processo legal, para evitar abusos.

Por outro lado, pode ocorrer o inverso: o devedor original é o sócio, que esvazia seu patrimônio, transferindo-o para uma pessoa jurídica, com o claro propósito de lesar credores. Isso significa que a sociedade é usada para ocultar o patrimônio pessoal. E, uma vez comprovada, a lei autoriza que a empresa responda juntamente com o sócio.

A hipótese de desconsideração da personalidade jurídica inversa ganhou previsão legal expressa no Código de Processo Civil de 2015 (artigo 133, parágrafo segundo).

É importante destacar que a desconsideração da autonomia patrimonial não ocorre automaticamente. Trata-se de uma medida especial, como indica a própria lei, de forma que, a mera existência de grupo econômico ou quando há a expansão/alteração da finalidade original da atividade não são elementos suficientes, por si só, para superar a autonomia patrimonial existe entre a empresa e os sócios.

Citando uma decisão judicial:

"A desconsideração inversa ou invertida torna possível responsabilizar a empresa pelas dívidas contraídas por seus sócios e tem como requisito o abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou a confusão patrimonial (CPC, art. 133, § 2º; CC, art. 50). Trata-se de medida excepcional, cabível quando se comprova que o devedor (pessoa física) utilizou-se indevidamente da pessoa jurídica para resguardar bens e valores de seu acervo pessoal, a fim de esquivar-se de seus compromissos financeiros." TJDFT, acórdão 1367498, 07200527220218070000, Relator: DIAULAS COSTA RIBEIRO, Oitava Turma Cível, data de julgamento: 26/8/2021, publicado no DJE: 9/9/2021.”

Portanto, como medida extrema e devidamente comprovada, uma empresa pode integrar o polo passivo de uma demanda que originalmente tem o sócio como réu, quando for demonstrado o abuso na utilização da pessoa jurídica ou quando configurada clara confusão patrimonial.