Ante as constantes inovações tecnológicas, vivemos numa sociedade composta por relações extremamente complexas, que passam por transformações cotidianamente, dentre as quais vale realçar os novos meios de relacionamento. Não é absurdo ou incorreto afirmar, que na sociedade contemporânea o indivíduo real já se confunde com o virtual.
Diante da constitucionalização dos institutos do direito civil, tendo no Brasil ocorrido principalmente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a pessoa humana foi alçada como vértice do ordenamento, de forma que todas as relações, inclusive as nitidamente de caráter patrimonial, tornaram-se instrumentos de promoção deste indivíduo.
Com isso, perfaz-se que cabe ao Direito a preservação da pessoa em todas as suas esferas e formas de relacionamento, o que, na atualidade, igualmente engloba as suas relações no mundo virtual.
Com esse posicionamento, no último dia 16 de outubro de 2019, a 24ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, entendeu que um consumidor de jogo virtual – World of Warcraft –, indevidamente banido do site, teve sua imagem virtual lesada e, por conseguinte, configurou um dano a sua moral. Além disso, determinou o reingresso no jogo, preservadas as características que seu personagem possuía no momento do banimento.
No caso concreto, o consumidor, assinante e muito bem classificado dentre milhões de jogadores de todo o mundo, foi banido por suposta prática de ilícito – mais de 10 (dez) horas ininterruptas jogando, fato conhecido como “bot” –, tendo permanecido o seu nome virtual à vista de todos como banido, ensejando uma ação de reparação por dano à sua imagem, ainda que restrita ao mundo virtual.
Do voto do Relator do processo em segunda instância, o Desembargador Alcides da Fonseca Neto, extraem-se as seguintes passagens:
“Nesta perspectiva, não se pode dissociar a imagem virtual da imagem real. Ponto pacífico neste momento é o fato de que a imagem do Apelante, ainda que virtual, ficou “no ambiente virtual” exposta em lista desabonadora por tempo bem superior do que o devido, gerando evidentes transtornos entre seus conhecidos e demais competidores. ”
“O mundo virtual demanda hoje novas formas de soluções dos problemas da vida, ou mesmo que sejam aplicadas às novas realidades soluções pré-existentes. Por isso a internet e sua realidade virtual não podem ficar de fora dessa interação. Levando em conta uma interpretação evolutiva, afigura-se razoável impor à imagem virtual um valor, como ocorre com a imagem humana real, notadamente em casos concretos semelhantes, além do que sempre por trás de um participante de competição virtual existe uma pessoa com sentimentos e dignidade, pelo que resta claramente configurado dano moral, posto que o nome virtual do Autor permaneceu à vista de todos como banido. Dano moral configurado. Lesão ao direito da personalidade. Patente a quebra da legítima expectativa em relação ao site, no qual o Autor era assinante e muito bem classificado, em meio a mais de dez milhões de jogadores em todo o mundo. ”
O Órgão Colegiado, então e por unanimidade, além de assegurar o retorno do autor ao site de jogos, fixou indenização a título de danos morais, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Processo nº 0033863-56.2016.8.19.0203