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15 de julho, 2022

A pacificação do entendimento dos tribunais superiores acerca da validade de penhora de bem de família de fiador nos contratos de locação comercial e residencial

postado por Luciana de Abreu Miranda

Como uma das formas para promover a dignidade do indivíduo, garantindo o mínimo para a subsistência digna do ser humano, no início da década de 90 foi editada a Lei 8.009, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família.

Esse, nos termos da aludida legislação, é definido como o “imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”

As constantes modificações na sociedade, somadas à necessidade de equalizar essa proteção legal com a autonomia privada dos indivíduos, demandaram atualizações da Lei, que trouxe exceções à regra, as quais foram – e ainda são – revisitadas a fim de atender demandas sociais e, dentre essas novidades, houve a inclusão, quando da edição da Lei do Inquilinato (Lei 8.4/1991), da seguinte exceção: “por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.” (art. 3º, VII).

A leitura desse dispositivo deixa bastante claro que a impenhorabilidade do bem de família é afastada nas hipóteses em que o proprietário do imóvel figura como fiador em contrato de locação. Percebe-se aqui que não há qualquer restrição e tampouco diferenciação entre os contratos locatícios de natureza comercial e os de natureza residencial.

E, durante muitos anos, essa interpretação vigorou nos Tribunais Superiores, inclusive com a fixação, em 2010, do Tema 295 pelo STF que assim dispõe: “é constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, em virtude da compatibilidade da exceção prevista no art. 3º, VII, da Lei 8.009/1990 com direito à moradia consagrado no art. 6º da Constituição Federal, com redação da EC 26/2000”.

Ocorre que, no ano de 2018, foi proferida decisão pela 1ª Turma do STF (RE 605.709) declarando a impossibilidade da penhora do único bem de família do fiador em caso de locação comercial. Com isso, a maioria da Turma julgadora afastou o Tema para essa espécie de relação locatícia.

Em síntese, a aludida decisão, de caráter nitidamente protecionista, teve como alicerce o direito constitucional à moradia.

E, nesse momento, o Poder Judiciário criou uma distinção onde o legislador assim não o fez e ampliou a atuação interpretativa além dos limites impostos na Lei. Como não poderia deixar de ser, instaurou-se enorme insegurança jurídica, suscitando controvérsias entre os Tribunais Estaduais.

O resultado foi que, repentinamente, diversos locadores de imóveis comerciais se viram diante do premente risco de, configurada a inadimplência do locatário, não conseguirem mais executar o bem dado em garantia pelo fiador.

Também houve impacto direto na liberdade de empreender dos locatários. Isso porque, não raro os locadores passaram a exigir a apresentação de fiadores com mais de um imóvel próprio a fim de evitar o risco de esvaziamento da garantia.

Sabe-se que no Brasil a fiança é a modalidade mais usual nos contratos de locação e, na maioria dos casos, são os próprios sócios (pessoas físicas) de pequenos empreendimentos que entram como fiadores para não recorrer a formas mais gravosas de garantia e evitar a descapitalização.

Em que pese a relevante justificativa do direito constitucional à moradia, a decisão da 1ª Turma do STF, em contrapartida, culminou no esvaziamento de diversos outros preceitos fundamentais esculpidos na Constituição Federal, como a livre iniciativa do locatário, a autonomia privada do fiador, a boa-fé e o direito de propriedade, direitos esses inerentes ao indivíduo na esfera privada.

Ainda que haja o fenômeno da despatrimonialização do Direito Civil, em que os direitos tidos como existenciais se sobrepõem aos de natureza patrimonial, não se pode olvidar que nenhum direito é absoluto e há de ser sopesado mediante uma leitura sistemática e unitária do ordenamento, de maneira a não sacrificar nenhuma das previsões constitucionais na hipótese em concreto.

Diante dessa ponderação, somada à patente violação do princípio da isonomia no instituto da fiança, já que garante ao fiador da locação comercial maior proteção do que ao fiador da residencial, o Plenário do STF, em março de 2022, por maioria (7×4), pacificou o assunto, tendo sido firmada a seguinte tese para fins de repercussão geral:

“É constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, seja residencial, seja comercial.” (Tema 1127)

A decisão privilegia a livre iniciativa do locatário e a autonomia privada do fiador que, livre e espontaneamente, garantiu o contrato.

Recentemente foi a vez do STJ colocar uma pedra de cal sobre o tema e igualmente estabelecer, através da 2ª Seção, em julgamento sob a sistemática dos recursos especiais repetitivos, a seguinte tese:

“É válida a penhora do bem de família de fiador dado em contrato de locação de imóvel, seja residencial, seja comercial, nos termos do inciso VII, do art. 3º da Lei nº 8.009/1990.” (Tema 1091)

Com o julgamento pelo STJ, os juízes e tribunais de todo o país deverão aplicar a tese acima em casos análogos, encerrando, de vez, a insegurança jurídica criada.

A uniformização do entendimento, inclusive com efeito vinculante, é bastante significativa para todos que atuam no mercado imobiliário, haja vista que a fiança é a modalidade da garantia mais usual, menos onerosa e mais aceita pelos locadores.

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